
Apresentação
Marco é contador, professor e é sócio fundador da Integrar Contabilidade, empresa localizada em Belo Horizonte.
Ele trouxe a tona diversos pontos sensíveis à contabilidade de igrejas. Comércio dentro da igreja, imunidade tributária e aspectos éticos foram alguns deles.
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O que é imunidade tributária para igrejas?
Antes da gente começar a falar em tributo a gente pensa no quesito imunidade. Na Constituição Federal o artigo 150 é que trata sobre isso, ele diz:
Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI - instituir impostos sobre:
- a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
- b) templos de qualquer culto;
- c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
- d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
- e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.
Então, quer dizer que o Estado não pode instituir imposto sobre renda ou patrimônio que estejam ligados a entidades religiosas. É nesse quesito que a Constituição Federal fala hoje, ela garante as igrejas imunidade, não poder tributar sobre renda e patrimônio, então, é desse ponto que a gente tem que começar o nosso pensamento sobre tributo no Brasil.
E quando você fala renda e patrimônio significa que a forma principal de renda das igrejas é através de ofertas, doações e dízimos. Isso não pode ser tributado?
Isso mesmo. Nem o IPTU do local, afinal, o local da igreja, se for patrimônio dela, não tem a tributação do IPTU.
Então essa isenção tributária também se aplica a partidos políticos, instituições de educação etc. Isso não é um privilégio exclusivo de uma igreja, correto?
Exatamente, então, elas possuem a imunidade tributária pela Constituição Federal, não é específica das organizações religiosas.
A fonte principal de receita da igreja não é tributada, mas há outros ganhos advindos de outras atividades, por exemplo, o ganho numa venda de imóvel.
Esta receita não está ligadaa à atividade fim. Como é que funciona nessa área aí?
O ganho de capital, na verdade, não foi uma forma provocada pela igreja. Na verdade ela comprou o imóvel e ele valorizou, então, entra no quesito patrimônio.
Ela tem um ganho patrimonial, mas como ela já tem essa segurança constitucional da imunidade, eu creio que não será tributado, só se tiver algum interesse por parte da instituição religiosa de ter esse ganho ilícito, mas fora isso não tem a tributação.
E se uma igreja começa a publicar livros e comercializar, gravar e vender CD’s, enfim, ter receitas fora as os dízimos, ofertas e doações. Ela pode adicionar um CNAE ao seu CNPJ?
Este é um tema muito polêmico! A constituição Federal fala que é sobre renda ou patrimônio. Vamos dizer que há uma lanchonete dentro da igreja, qual que é a intenção da igreja, utilizar aquela renda para usar no próprio objetivo da atividade ou ela vai usar aquilo para algum projeto especifico?
Quem pode ou não fiscalizar é o Ministério Público e a Receita Federal. Somente estes entes podem entender se a igreja está passando em cima da Constituição Federal, se aquela atividade está extrapolando a parte legal. O que eu tenho visto é que se tiver ligado a instituição religiosa nos objetivos da atividade não está sendo tributado.
Na igrjea tem uma lanchonete, se não tiver com objetivo de ter um lucro excessivo, porque acaba tendo lucro, ok.
Uma coisa é esse lucro ter o objetivo de complementar o caixa para a manutenção da atividade igreja. Outra é vender de uma forma exorbitante, aí eu creio que chama atenção do Ministério Público e da Receita Federal para verificar se realmente aquela atividade está sendo aplicada dentro da igreja.
É muito polêmico porque quando a gente fala de Receita, a gente fala que é renda, mesmo não sendo vindo por dízimos e ofertas. No meu entendimento aquilo ainda tem o quesito imunidade.
Na prática isso vai depender da interpretação do órgão fiscalizador?
Correto.
Vamos extrapolar o ponto de vista legal, pensando mais na imagem da igreja perante a sociedade.
Se a igreja tivesse dois CNPJ, o da igreja desassociado da lanchonete, por exemplo, quebraria a possibilidade uma má interpretação futura do orgão fiscal competente.
Quando você abre uma empresa você faz um estatuto, e ali você faz uma assembleia, chama as pessoas que vão participar dessa assembleia e quem vai ser o diretor, presidente e etc. Dentro desse estatuto você vai colocando as atividades que a empresa vai fazer e aí você abre o CNPJ.
Dentro do CNPJ pode ser que coloque uma atividade de comércio, então a igreja acaba comprando os recursos com o nome dela mesmo às vezes sem inscrição estadual, e acaba revendendo, às vezes faz uma feirinha, às vezes tem uma própria lanchonete lá dentro, mas não tem uma característica de ganhar lucro ou nem de comercializar, é mesmo para manutenção.
Então, tudo vai depender desse ponto: aquela atividade é para qual uso? O fornecimento de alimentação é porque não tem um restaurante perto, ou na verdade é para trazer um recurso a mais para a igreja arcar com a manutenção da atividade.
Tem que ver qual que esse objetivo final, por isso que é importante a contabilidade e a materialidade disso.
Se eu demonstrar que a minha igreja está com recursos além do necessário e ainda está fazendo essas atividades, o fisco ainda não pode impor a tributação, mas ele, por algum momento, pode tributar alguma atividade que ele entender que está sendo de forma ilícita.
Por uma questão legal e fiscal o que a igreja precisa ter com relação a essa fonte de Receita?
A igreja não tem uma necessidade de fazer esse controle nominal das pessoas que estão depositando a sua oferta, o seu dízimo ali no local, ou seja no banco. O que deve ter é um controle desse recurso. Um controle efetivo desse recurso, do dia, da hora, isso que faz a igreja ter um controle.
A igreja se equipara um pouco à uma empresa com fins lucrativos. A entidade com fins lucrativos tem a necessidade de demonstrar nominalmente quem está recebendo aqueles valores, quem está depositando aqueles valores, porque tem o quesito do fato gerador do tributo que é a renda. Ele tem que demonstrar se aquela entrada, aqueles recursos é sobre empréstimo ou é sobre pagamento de clientes.
Na igreja não, a igreja ela vive de doações, ela vive dos dízimos e ofertas e algum recurso que é doado, então, não tem essa necessidade de demonstrar quem que efetivamente fez o depósito, quem que efetivamente doou.
Ela tem que ter um controle pela questão de gestão, quanto que foi naquela data, foi no culto tal, porque isso traz uma transparência maior.
Talvez por questão de um controle maior, eu orientaria numa doação num valor diferenciado, eu faria um controle mais nominal porque a gente sabe que essa origem do dinheiro não é comprovada, não tem com a igreja saber de onde que veio, de como veio. Ela só sabe que entrou recurso.
Então, será uma boa prática, mais para se resguardar. Ter o nome da pessoa, “naquela data entrou tais valores” para se proteger de qualquer fiscalização. Mas normalmente não tem essa necessidade de comprovação.
Quais erros uma igreja não pode cometer para que ela não perca esse benefício fiscal?
Vou voltar uma analogia à empresa com fins lucrativos. Uma empresa com fins lucrativos ela faz a contabilidade, primeiro porque ela é obrigada pelo Código Civil. Segundo por uma gestão eficaz e uma transparência, que eu acho que é a coisa mais importante.
A igreja deve seguir o mesmo padrão, porque aquele dinheiro é o dinheiro de todas as pessoas que estão ali, não é um dinheiro que eu possa administrar da forma que eu quiser.
Como às vezes o dinheiro é recebido de uma forma mais fácil, vamos dizer assim, sem tributação, mais limpa, então, o que vai fazer diferença nessa entidade religiosa é ter essa escrituração, a materialidade da escrituração.
Entrou recurso naquele mês, eu quantificar quanto que entrou de recurso, o que saiu eu ter um documento hábil para comprovar porque se saiu algum recurso, tem que ter uma prova, documentação, uma nota fiscal, um recibo, alguma coisa realmente demonstra que aquele dinheiro foi empregado na própria atividade.
Isso que é o maior erro. Porque às vezes algumas igrejas não tem ou condição de ter uma escrituração, um contador. A igreja pode ser pequena, mas ela tem condição de ter uma organização, de controlar o dinheiro. Saiu dinheiro? Tem que ter uma nota fiscal, saiu tem que ter um recibo.
E a importância maior é na saída do dinheiro e não na entrada. A entrada é mesmo para quantificar. Contudo, a saída é importante porque ali que no documento, na escrituração, você vai falar, você vai demonstrar e você vai trazer uma transparência maior para a comunidade.
A contabilidade é um sistema de informação gerencial para tomar decisão, às vezes a igreja não tem recurso para um tal projeto. Então ela pega médias passadas de dízimos e ofertas e consegue criar alguns projetos, seja expansão, seja ajuda comunitária.
Tanto na transparência quanto na gestão, a contabilidade é uma ferramenta importante para os dirigentes tomarem uma decisão eficaz, não fazer apenas por questões só de fé, só de acreditar que vai acontecer, mas sim de um dado estatístico mesmo para ela apontar um futuro para a igreja.
Marco, a imunidade tributária pode ser perdida?
Isso é muito complicado... só vai perder ela se realmente for comprovado o desvio de finalidade, se realmente no caso de uma corrupção verificar que aquela igreja, na verdade, a gente chama de ilusão tributaria, na verdade, usou só aquela organização, aquela entidade, como fachada ou como teatro para não pagar tributo, aí sim perderia a imunidade tributária.
Fora esse quesito de desvio, de usar aquela entidade para outros fins, é muito difícil perder a imunidade tributária, ainda mais se tiver transparência, tiver toda a documentação, é difícil de perder. Todavia, não é impossível.
Se não tiver documentação nenhuma não tem materialidade para comprovar nada, por isso que a gente retoma a esse cuidado da documentação e da escrituração.