
Apresentação
Roberto Bottrel foi pastor de jovens na Igreja Batista Central de Belo Horizonte de 2004 à 2016, sua rede tinha mais de 500 células.
Roberto mostra a importância de se entender a realidade dos pequenos grupos e como isso é fundamental para a multiplicação das células.
Receba antecipadamente as nossas entrevistas
Receba antecipadamente as nossas entrevistas
Ouça em:
Ouça em:
Você sente que seu livro, Multiplicação, é a destilação da sua caminhada como pastor em uma igreja em células?
A escrita do livro foi um desafio que recebi porque a gente tem muita história, muita experiência, e acaba ficando preso no corpo.
Então me desafiaram a escrever o livro porque aí ele pode ir aonde eu não posso. A ideia foi ser o mais abrangente, mas isso é uma impossibilidade porque uma vida é uma vida e um livro é só um livro.
Procurei me concentrar no tema multiplicação, contando as nossas experiências ao longo do processo, exatamente para ajudar a pastores, a lideres, a crentes que querem viver o evangelho de uma forma bem eficiente, bem radical e cheia de propósito. A serem bem sucedidos nos seus desafios.
O livro tem duas partes. A primeira você estabelece e esclarece princípios e na segunda você fala mais da parte prática. Você acredita que um dos motivos que algumas igrejas falham na transição para o modelo celular é por focarem na parte prática deixando de lado os princípios?
A verdade é que nós somos muito focados nos finalmentes. Então, as pessoas tem muita pressa, eles querem os resultados e a ideia do livro é exatamente apresentar o por quê, o por quê mudar, o por quê fazer célula, por quê abrir uma célula, por quê transacionar uma igreja pra esse modelo.
Se você simplesmente pega a segunda parte do livro e vai aplicando sem o por quê, aí você jamais vai chegar em algum lugar. Então a chave é você entender a razão porque devemos fazer qualquer coisa que seja e o livro tenta, na primeira parte, exatamente explicar porque que nós temos que multiplicar?
Esse é o “X” da questão e o como na verdade ele vai variar demais de igreja pra igreja, de extrato social que aquela igreja trabalha ou cultural. Então vindo aqui pra Europa, a realidade é diferente, eles vão aplicar o como de forma diferente, mas o por quê continua o mesmo.
O Simon Sinek tem uma palestra no TED TALK, Como os grandes lideres inspiram à ação, vale a pena assistir essa palestra, está no Youtube, ele explica muito bem que os grandes líderes inspiram as pessoas porque eles sempre partem do por quê.
Muitas igrejas vivem visões diferentes de células, entre outros temos o MDA, M12, Igreja com Propósitos. Os princípios abordados no seu livro podem ser aplicados em qualquer modelo celular?
Com certeza! A primeira parte do livro sem dúvida... não há nenhuma discussão porque ela fala exatamente do embasamento bíblico, da vontade de Deus de salvar as pessoas, do papel da igreja então isso aí é padrão. Na minha visão, não é especificamente de um modelo.
A segunda parte é mais prática, é uma abordagem bem específica de como podemos levar as células da igreja à multiplicação. Nessa parte, claro que qualquer uma dessas linhas aí de movimento celular pode aproveitar as dicas, mas vai ter algumas diferenças aqui e ali.
Eu não considero que são muito relevantes porque no final das contas um movimento celular genuíno, ele está visando à multiplicação e o que a segunda parte do livro trata é dicas para gerar foco no processo de multiplicação de uma célula. Eu acho que todo mundo pode aproveitar.
Em todo o livro você aborda a questão de números e, inclusive, toca no fato de algumas pessoas acharem que números não cabem na espiritualidade da igreja. Você acredita que isso é uma caracteristica dos brasileiros ou também de outros países.
Primeiro as pessoas tem uma visão muito mística de igreja. A sociedade em geral relaciona igreja com algo místico. Aí, os crentes dentro da igreja muitas vezes separam a sua vida em coisas normais e depois, na igreja, tem o sobrenatural.
Quando queremos trazer números, controles, avaliações de resultados pra dentro de algo que "deveria ser místico" há o conflito. E pra piorar a questão, muitas igrejas entraram numa visão empresarial, então é uma visão focada em resultados, gerenciamento por metas, e aí a coisa também vai para outro extremo.
Eu acho que não podemos ficar nem de um lado e nem de outro, mas os números são úteis para uma eficiência nossa como administração de uma organização. Eu acho que se eles forem bem usados podem ser uma benção.
Pra mim, um exemplo bíblico que relata isso muito bem é Deus dando todas as instruções de contar. A gente vê isso no livro de Números, então ali tudo foi contado, contabilizado nos mínimos detalhes. Por quê? Porque era importante.
Mas depois em outra situação a gente vê o Rei Davi fazendo o mesmo, contando seus exércitos, mas por uma motivação errada e aí gerou um caos, uma tragédia para o povo.
A questão não é se envolver igreja com números ou números com igreja é uma coisa boa, não. Eu acho que não passa por aí não. É como que está o nosso coração, qual que é a nossa motivação para usar os números.
Você acha que essa característica de considerar números na igreja uma coisa mística, ela é universal?
Eu vejo assim, culturalmente, algumas sociedades são mais voltadas pra esses controles e outras mais relax. Então, uma comparação clara aqui é a Alemanha e a Espanha. Naturalmente, os alemães vão curtir muito mais os números do que os espanhóis.
Agora, se os espanhóis entenderem que os números podem ajudá-los a melhorar a qualidade das suas células, consertar alguns desvios na direção de uma célula que não esta crescendo por causa de falta de foco, falta de amor, falta de desenvolver relacionamentos, os números vão indicar isso e os espanhóis que não estariam preocupados com números seriam abençoados de ter os fatos e os dados pra agir naquilo que interessa a eles.
Agora, já os alemães, historicamente a gente vê isso, é uma sociedade muito organizada, tudo está à mão, fatos e dados, muito focados, orientados por resultados, então pra eles eu acredito que vai ser bem mais fácil fazer esses controles, manter os controles, e saber usar os números de uma forma adequada, não na vaidade, não pra ficarem soberbos.
Você comentou que algumas igrejas se empresariaram e que trouxeram metas e tudo mais. Mas você trouxe pro seu livro exatamente as metas.
É o mesmo raciocínio, a motivação do coração. Se a gente estabelece as metas e aí nos tornamos escravos delas, usando como elementos de coerção, de constrangimento, como um chicote para fazer a turma funcionar, aí beleza... viramos empresa e acabou...
Agora de uma visão um pouco mais razoável, mais saudável: as metas vão estabelecer um caminho, um direcionamento e uma concentração de energia para alcançar aquele resultado.
Porque se não temos metas, a gente fica meio que só vivendo o dia-a-dia e vamos ver o que que acontece e aí o resultado no final é muito fraco. Precisamos estabelecer aonde queremos chegar, o que queremos fazer, qual que é o nosso desafio.
Precisa ser algo desafiador, mas atingível porque aí a gente deixa de fazer algumas coisas que não estão cooperando com aquele objetivo e ao final as nossas ações irão nos ajudar a alcançar a meta.
Tem uma meta muito polêmica no seu livro: Presença de Deus. Fale um pouco sobre ela.
Vamos primeiro entender o conceito da coisa, depois a gente entra especificamente na questão da presença de Deus. A ideia é que a gente tenha uma célula saudável e alguns elementos vão indicar que aquele pequeno grupo é saudável.
Um grupo saudável precisa ter um bom líder, que tenha membros comprometidos, que tenha um ambiente adequado, que seja um PG que tenha uma visão clara e, naturalmente, que Deus está se manifestando naquela comunidade.
Então aquele grupo pequeno com Deus agindo, gente sendo alcançada, casamento sendo transformado, pessoas sendo livre de vícios, com milagres acontecendo. Olhamos pra isso e dizemos: “Uau, isso é uma célula saudável!” Nós queremos multiplicar essa célula em outras células também saudáveis.
Então, o que basicamente a gente fez foi listar quais são os elementos que determinam a saúde de uma célula. E um desses elementos é a manifestação da presença de Deus.
Claro que a gente sabe que Deus está em todo lugar então, não tem como aumentar isso... óbvio!
Contudo, a manifestação de Deus, visível, prática, atuante nas pessoas daquela comunidade, isso pode ser mínima ou pode ser maravilhosa. Nós temos células na Central, em que você vai na reunião e não acontece nada. É como se fosse um grupo de estudantes de universidade se reunindo pra estudar um livro.
Algumas células que são mais focadas no louvor e tal... então é um grupo de amigos que se reuni num boteco e canta umas músicas, porque de Deus ali, nada. Não acontece nada. Ninguém é transformado, ninguém é salvo, ninguém é levado a um batismo, uma demonstração de comprometimento da sua vida com Deus, com a igreja. Então, a presença de Deus é fundamental pra uma célula saudável.
Agora “Como você estabelece uma meta de aumentar a presença de Deus?” Poxa vida, se eu estou definindo quais são os meus objetivos com a célula atual e ela precisa trabalhar para que, ao final de um determinado prazo, multiplique uma nova célula, que também seja saudável.
Como eu vou multiplicar uma célula em outra, que seja saudável, se nós nem estamos falando da manifestação de Deus. Então, um dos objetivos nosso é que essa presença, essa manifestação de Deus, seja intensificada naquele grupo para gerar uma multiplicação saudável.
Então essa presença, tem que ser intensificada, as pessoas tem que ser tocadas por Deus, tem que ter suas vidas transformadas, crentes que estavam estagnados agora estão se abrindo, Deus está mudando o coração e agora eles estão se oferecendo para servir a Deus, para liderarem uma célula, então a presença de Deus precisa ser intensificada.
Mas aí, quando você coloca isso como uma das metas, aí o povo vai à loucura... “Ah, então eles estão querendo agora encaixar Deus dentro de uma meta”.
Ao incluir a presença de Deus como uma das metas era uma das coisas básicas para se conseguir uma multiplicação saudável, é uma ação sobrenatural de Deus. Como que eu vou estabelecer as ações que nós temos que trabalhar numa célula para uma multiplicação saudável deixando isso de fora? Não tem como.
O que a gente sempre trabalhou com os nossos líderes e tá bem detalhado no livro é quais são os elementos que indicariam essa presença de Deus.
Roberto, existe algum fator que, por melhor que seja o treinamento do líder de célula, acaba desanimando um novo líder?
Primeiro eu acho que o conceito de liderança, ele é muito destorcido no geral e acaba sendo difícil pra pessoa aceitar o desafio e quando aceita, ela entra por uns caminhos meio complicados.
Por exemplo, ela se prepara, estuda, treina e aí finalmente assume uma célula. É colocado sobre ela, a partir da igreja e a partir dela também que agora ela é um líder e ela é um líder pronto. Isso é totalmente falso.
O fato dele ter assumido uma célula não quer dizer que ele esteja pronto, quer dizer que ele avançou em algumas etapas e agora esta numa nova fase de crescimento, agora com uma responsabilidade.
Então, se a gente entende que nós estamos em processo e não prontos, as barreiras que vem às dificuldades que vem fazem parte do crescimento. É preciso aprender a enfrentar isso pra crescer, é preciso aprender a enfrentar a frustração, um erro ou então o fechamento da minha célula.
As pessoas acham que já estão prontas então agora a única coisa que se espera delas é serem bem-sucedidas e isso é muito pesado, é muito frustrante.
A pessoa vai aprender a liderar uma célula na prática e à medida que ele vai se tornando experiente nisso ele já não tropeça mais naqueles desafios iniciais, ele vai amadurecendo como líder.
Por isso, precisa continuar estudando, precisa continuar lendo os livros, precisa de mentoreamento, precisa de supervisão. A igreja precisa criar essas estruturas demonstrando pra ele e pra toda comunidade que aquele não é um elemento pronto.
Quando é necessário fechar uma célula? Qual que é a melhor forma de fazer isso para que as pessoas que estão ali não se percam?
Olha, pra mim a razão de se fechar uma célula é estagnação. Ums igreja celular é uma igreja em movimento. Então enquanto as pessoas estão crescendo em um pequeno grupo, às vezes não na velocidade nem na quantidade que a gente gostaria, mas é um grupo em crescimento, eu não vejo porque fechar. Mesmo se ela não tenha multiplicado.
Quando a gente estabelece uma meta, por exemplo, no Brasil de multiplicar uma célula uma vez ao ano é porque é uma meta viável, possível, mas não somos nós que determinamos isso, quem dá o crescimento é Deus.
O que a gente vê na média, na prática, é que é uma coisa possível, então vamos trabalhar nessa direção, mas nós precisamos de uma benção especial de Deus porque nós estamos falando de salvação de pessoas, transformação de caráter, mudança de vida. O resultado dessas transformações é a multiplicação de uma célula. Isso não conseguimos gerar.
Mas é um problema quando você está em um PG em que de repente você tem 6, 7 pessoas ali e ninguém consegue atrair novos para o grupo, ninguém está crescendo, ninguém se dispõe a dar um passo a mais.
Por exemplo, há um desafio de intensificação do momento a sós – ninguém responde; há um desafio de comprometimento maior com a igreja local – ninguém responde; há um desafio pras pessoas servirem, crescerem como líderes em treinamento – ninguém responde, vai ter um curso agora, um seminário disso – ninguém vai. Quer dizer, o líder que está gastando, investindo seu tempo ali, ele está numa furada, ninguém quer andar, então ele está gastando energia e tempo à toa. Ele está simplesmente entretendo consumidores.
Em um caso desse a célula tem que fechar. Porque ela vai ficar ali por quanto tempo, 1 ano, 2 anos, 3 anos, 5 anos, vai ficar o tempo inteiro porque ninguém esta interessado em crescer.
Agora uma célula em que tinha 5 pessoas, aí depois de 1 ano de trabalho, ali tem 8 pessoas, não é o suficiente pra multiplicar, mas as pessoas estão crescendo. Houve conversões, 1 se batizou e aí eles estão trabalhando. Aí no outro ano tem 10 pessoas, quer dizer, eles estão devagar – alguém pode dizer – mas a velocidade é muito particular de cada um, alguns estão mais abertos outros não estão. Mas eu vejo uma célula em crescimento.